Avaliação é de que o texto inicial da reforma do sistema de aposentadoria tem ‘gordura para queimar’. Deputados e senadores devem atacar mais as regras de transição do que as idades mínimas propostas, 65 anos para homens e 62 para as mulheres.
O presidente Jair Bolsonaro deve apresentar a reforma da Previdência ao Congresso nesta quarta-feira, mas as novas regras continuarão sendo discutidas à exaustão nos próximos meses. A partir do momento em que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) chegar às mãos dos deputados, começará a intensa disputa pelos 308 votos necessários para aprová-la no plenário da Câmara. A saída do texto do Planalto em direção ao Congresso também marca o início das concessões que precisarão ser feitas em troca desse apoio.
Para começar a rodada de negociações, o governo apresentará um texto com “gordura para queimar”, como dizem os especialistas. As críticas devem se concentrar menos nas idades mínimas que serão propostas — de 65 anos para homens e 62 para mulheres, com 20 anos de contribuição — e mais na transição, que deve durar 12 anos. A proposta é mais dura do que a última versão do texto do ex-presidente Michel Temer, que previa 20 anos para atingir a mesma idade mínima
O mecanismo para chegar lá também é mais duro do que o previsto na última versão do governo anterior, que partiria de 55/53, em 2018, e chegaria a 65/62 só 20 anos depois, em 2038. Pela proposta de Bolsonaro, assim que a reforma for aprovada, a exigência será de 60/55. A cada ano, serão acrescentados seis meses no cálculo. Assim, chegaria às idades finais, de 65/62, em 2031. Essa “escadinha” é uma das três regras de transição que serão enviadas ao Congresso e, segundo parlamentares aliados, certamente será atacada.
O governo também deve propor uma transição específica para não prejudicar tanto quem está prestes a completar os 35/30 anos exigidos atualmente para a aposentadoria por tempo de contribuição. Nesse caso, haverá o pedágio de 50% sobre o tempo que falta para os trabalhadores que estão a dois anos ou menos de conseguir se aposentar pela regra.
Ou seja, quem estiver a um ano de completar o tempo de contribuição exigido atualmente terá de trabalhar por mais seis meses, mas não precisará completar a idade mínima. Além disso, incidirá o fator previdenciário, o que pode diminuir significativamente o valor do benefício.
Os excessos passíveis de mudança, nesse caso, são muitos. Desde o tempo que falta para aposentadoria — o governo estudava cinco anos, mas propôs dois — até a fatia do pedágio, que pode cair para menos de 50%, com algumas compensações, como ocorreu na tramitação da proposta anterior. Esse é considerado um alvo certeiro de críticas e emendas.
A terceira alternativa é o sistema de pontos. Nesse caso, será possível se aposentar quando a soma da idade com o tempo de contribuição chegar a, pelo menos, 86/96 (mulheres/homens), em 2019. A pontuação aumentará todos os anos, até chegar a 100/105, em 2033. Depois disso, a única possibilidade de aposentadoria será pela idade mínima, que já será de 65/62 ao fim do período de transição.
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Para quem se aposenta hoje por idade (65/60) por não conseguir completar o tempo exigido de contribuição — geralmente os mais pobres, que ficam mais tempo na informalidade — haverá um “ajuste”: a regra para as mulheres subirá dois anos, para chegar aos 65/62.
Cortes e mudanças
Considerada essencial, a idade mínima não corre risco de ser retirada. É um ponto pacificado. A diferenciação entre os gêneros foi incluída por Bolsonaro justamente para antecipar a discussão (e resolução) do tema, que certamente seria um dos primeiros alvos da oposição. “Eu, particularmente, acho uma medida inteligente. O que queriam eram coisas mais radicais, lógico, mas, como precisa aprovar a reforma, essa medida de colocar a mulher com menos tempo do que o homem vai facilitar a aprovação”, acredita o professor do curso de ciências contábeis da Fecap Olivio Luccas Filho.
Isso não será suficiente para evitar discussões. Como é esperado em qualquer tentativa de mudança em regras de aposentadoria e pensão, há muitos outros pontos discutíveis. A economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, considerou o primeiro sinal “muito positivo”, mas tem consciência de que a reforma não passará como for proposta. “O problema é que eu acho que a desidratação inevitavelmente será significativa”, ponderou. Ela aposta que a PEC aprovada será capaz de economizar R$ 800 bilhões, menos do que o R$ 1 trilhão que a equipe econômica diz que renderá a versão inicial, mas ainda uma cifra que será “muito bem-recebida pelos investidores”.
Os economistas consideram que existe margem para algumas mudanças, mas que ela não é muito grande. Na opinião de Luiz Fernando Roxo, economista da ZenEconomics, “há um pequeno espaço para corte de gordura, mas, se for demais, talvez o remédio não cure o paciente”. Para ele, um texto com economia prevista para menos do que R$ 900 bilhões na próxima década não atingiria as expectativas. “Haveria um pouco de frustração”, acredita.